TRADUZIR OU RECRIAR UM POEMA?
Por ANTONIO MIRANDA
“Traduttore, Traditore” como reza o ditado italiano? Sim e não. Eu venho traduzindo centenas de poemas do Espanhol para o Português para as páginas do nosso Portal de Poesia Ibero-americana. Como se trata de transladar um texto entre línguas latinas, muito próximas — mais próximo seria traduzir do galego... —, há quem pense que se trata de uma tarefa fácil. Nem sempre. Algumas palavras iguais têm sentidos até antagônicos, outras têm um sentido nobre numa língua e pejorativa ou imoral na outra... É melhor nem citar exemplos... E que fazer com as rimas e a metrificação?!
Tem a questão dos regionalismos, palavras que assumem significados locais, diferentes de outros contextos. Sem esquecer que às vezes incorporam vocábulos nativos, indígenas, e até de outras idiomas. No universo globalizado em que vivemos, assumimos expressões em outras línguas – do inglês, do francês, do alemão e mesmo de línguas exóticas para a cultura local, por serem já do domínio público, por força das mídias sociais que aproximam povos, além de contrapô-los. Vale lembrar o “traduttore, traditore”, com que iniciamos este editorial, que ressalta a dificuldade de uma palavra na tradução, de não corresponder sempre aos sentido original.
“Uma tradução como esta pode ser muito bonita, mas nenhuma tradução de uma obra de arte pode ser uma verdadeira tradução. É uma transposição a um ambiente diferente. Se o tradutor é um grande poeta, sua tradução é um novo poema e muitas vezes muito bonito. Algo do original talvez se conserve, mas muito se perde. Também é interessante assinalar que o que se conserva com frequência não é reconhecido conscientemente pelo tradutor.” ROMÁN JAKOBSON
Outra possibilidade, limitada aos tradutores mais talentosos e criativos, é trabalhar no processo de tradução como “criação”, ou recriação. É exatamente o que notabiliza o grande Guilherme de Almeida, na opinião de Marcelo Tápia, em um prefácio* a uma antologia de versões (!!!) de versos de poetas franceses para o nosso idioma.
“Ou seja: os poemas em português, neste caso, serão poemas tanto quanto o são os poemas em francês, os “originais’”; não haverá distinção “hierárquica” entre poesia “original” e a traduzida./ Pretende, portanto, o autor, produzir poesia de língua portuguesa a partir de autores franceses. Esta observação pode parecer óbvia, mas não o é, pois muito do que se faz de tradução de poesia não pode ser apropriadamente considerada tradução poética, por não gerar novos poemas, de fato, no novo idioma.”
Marcelo Tápia recorre a uma frase de Paul Valéry:
“le poème — cette hesitation prolongée entre le son et le sens”.
Precisa traduzir? O Google faz isso... É assunto para outra discussão, esta da tradução automática...
*ALMEIDA, Guilherme. Poetas de França. 5ª. edição. Prefácio: Marcelo Tápia. São Paulo: Babel, s. d. 223 p. ISBN 978-85-8111-001-1
|